O agente de inteligência e o espectador cinematográfico na vigilância cultural na província de Buenos Aires (Argentina)

Resumo

A Direção de Inteligência da Polícia da Província de Buenos Aires (DIPPBA) realizou uma prática secreta de vigilância do cinema ao longo da segunda metade do século XX. Seu arquivo – desclassificado em 2003 – constitui um dos mais extensos arquivos da repressão (Da Silva Catela, 2011) na Argentina. Esse acervo tem nos permitido compreender como se constituiu, sustentou e reformulou um discurso de controle político-ideológico do cinema, que incluía a presença de agentes em cinemas de diferentes localidades da província. Nesses documentos pode-se, portanto, estudar como foi construído um tipo particular de discurso espectatorial (diferente, entre outros, da cinefilia), que tinha como objetivo avaliar os filmes exibidos e, ao mesmo tempo, controlar os demais espectadores. No âmbito de uma abordagem interdisciplinar de Análise do Discurso, que também considera os estudos de público, este artigo analisa como a comunidade discursiva DIPPBA constrói, na década de 1960, uma imagem de si mesma ou ethos (Amossy, 2018; Maingueneau, 2009, 2013) para dizer as exibições de filmes que se identifica com um estereótipo do espectador de opinião comum. Essa imagem de si é reformulada na década de 1980, como a de um observador distanciado e é esquecida na década de 1990, quando o controle se concentra na reação dos espectadores que poderiam “perturbar a ordem pública”. Por sua vez, o público cinematográfico é, no discurso do DIPPBA, tanto um objeto de vigilância quanto um argumento para sustentar ou dissipar suspeitas ideológicas e políticas sobre a atividade cinematográfica.